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Refugiados em Portugal

Por outro lado, a fronteira portuguesa de Vilar Formoso foi encerrada em 24 de Junho, tendo-se aí amontoado, no lado espanhol, até ao dia 26 de Junho, cerca de 18.000 refugiados, muitos com visto dados pelo cônsul em Bordéus, segundo dados de Augusto d´Esaguy, presidente da Comissão de Assistência aos Judeus Refugiados. Perante a recusa das autoridades espanholas em receber os refugiados de volta, o director da PVDE, Agostinho Lourenço, teve de mandar reabrir a fronteira e tentou desviar a vaga de estrangeiros para zonas balneárias e termais onde havia hotéis e pensões.

O mesmo não aconteceu em alguns – poucos – casos e, nomeadamente, com um grupo de judeus luxemburgueses que, no Outono de 1940, chegaram à fronteira portuguesa em comboios selados, escoltados pela GESTAPO e foram impedidos de entrar em Portugal, porque, como disse Augusto d´Esaguy, o país era «soberano» e não poderia «permitir a agentes estrangeiros que ditassem ordens». Esse terrível episódio acabaria tragicamente porque, entre esses refugiados que foram reenviados para França, alguns acabaram por ser deportados para o campo de concentração e de extermínio de Treblinka.

De qualquer forma a maioria dos refugiados acabou por entrar e permanecer em Portugal, em zonas como Estoril, Cascais, Sintra, Caldas da Rainha, Buçaco, Curia, Foz do Arelho e Figueira da Foz. Ao ser enviado para essa estância balnear, o refugiado alemão Eugen Tillinger temeu inicialmente ser internado num campo igual aos franceses e espanhóis, mas o medo desfez-se perante a visão daquele local cosmopolita e turístico onde europeus de todas as origens sociais eram bem recebidos pelos portugueses. Mais tarde, a partir de 1942, a Ericeira, tal como as Caldas da Raínha, seria utilizada como local de «residência fixa» para refugiados «políticos» ou ilegais.

O mesmo Tillinger descreveu, em Outubro de 1940, Lisboa, como uma cidade «esgotada», onde quase não se ouvia falar português e onde os cafés e restaurantes, os hotéis e pensões estavam sobrelotados de refugiados. Também as esplanadas da Avenida da Liberdade estavam cheias de «turistas forçados» que, impedidos de trabalhar, tentavam prolongar os vistos de trânsito portugueses, arranjar vistos para um país de destino e conseguir comprar uma passagem num navio.

Sousa Mendes castigado, Salazar elogiado
Entretanto Aristides Sousa Mendes tinha caído em desgraça pela sua desobediência às ordens do ditador Salazar. Às acusações de ter passado vistos a pessoas que cit «pela sua nacionalidade» cit a eles não tinham direito, defendeu-se com a impossibilidade de estabelecer diferenças entre seres humanos e argumentou que apenas obedecera a razões de humanidade, que cit «não distinguem nem raças nem nacionalidades» cit . Acabaria por ser exonerado, com uma reforma de um quarto do ordenado e sem regalias, e, impossibilitado de trabalhar, ficou na miséria, recorrendo nomeadamente, com a sua numerosa família, à cozinha económica da Comassis. Morreu em 1954 e só foi reabilitado postumamente, em 1987. Até então, o facto de ter «desobedecido» ao Estado português tinha sido mais importante que a salvação de muitos dos perseguidos pelo nazismo.

Curiosamente, Portugal ficou na memória dos refugiados como um porto de abrigo, onde não se sentiram perseguidos por ser judeus e através do qual se salvaram, com a ajuda de uma população, considerada hospitaleira e sensível aos seus dramas. O agradecimento é por vezes estendido aos governantes, nomeadamente a Salazar, o mesmo ditador que castigou Aristides de Sousa Mendes,/ por desobediência a ordens que a terem sido cumpridas, teriam impedido a salvação de milhares de refugiados. Como lembra Rui Afonso, biógrafo de Aristides de Sousa Mendes, o antigo cônsul em Bordéus assistiu à cit «suprema injustiça de se ver castigado ao mesmo tempo que o regime político era louvado» cit.

Epílogo
Para terminar, relembre-se três diferentes episódios ocorridos em 1939/40, que revelam como em Portugal houve atitudes diferentes relativamente aos refugiados.

Primeiro episódio. Em 1939, o ministro de Portugal em Berlim, Veiga Simões, propôs a Salazar que, para evitar uma invasão torrencial de emigrantes, o governo português escolhesse aqueles a quem daria o visto que, segundo ele, deviam ser os portadores de passaporte «J» com «idoneidade moral» e alta categoria científica. Fosse a atitude do diplomata movida por desejos elitistas ou por motivos tácticos de tornar mais fácil a aceitação da parte de Salazar da entrada de alguns refugiados rigorosamente escolhidos, o certo é que, apesar da discriminação subjacente à escolha, um número maior de pessoas se teriam salvo através de Portugal, caso tivesse sido seguida a sua sugestão.

Segundo episódio. Entre os refugiados com vistos de Aristides de Sousa Mendes que ficaram em França a partir de 24 de Junho de 1940, quando as autoridades espanholas deixaram de reconhecer os vistos portugueses, contavam-se cerca de 1000 polacos. O embaixador português em Londres, Armindo Monteiro, pediu então a Salazar que os deixasse entrar em Portugal, com o argumento de que se tratava de cit «gente de raça pura» cit. O ditador recusou, respondendo que esses refugiados não judeus eram «precisamente» os mais indesejáveis «pelas actividades que quereriam desenvolver em Portugal».

Ou seja, Salazar receava sobretudo, além de uma chegada maciça de estrangeiros, a presença de pessoas diferenciadas com outros valores e ideias políticas que pudessem vir a influenciar os portugueses. Por isso, geriu de forma nacionalista mas também pragmática, uma invasão inevitável e indesejada, não deixando que os refugiados ocupassem lugares no mercado de trabalho, se integrassem na sociedade, permanecessem no país e contaminassem, com os seus comportamentos, valores e opiniões culturais e políticas, a vida autárcica imposta aos portugueses.

Terceiro episódio. Outra e radical foi evidentemente a atitude de Aristides Sousa Mendes quando resolveu, em Junho de 1940, contra as ordens do ditador e pagando caro pela sua desobediência, conceder vistos a todos os que lhe pedissem, fossem judeus ou políticos, ricos ou pobres, personalidades conhecidas ou humildes anónimos. Aqui não havia escolha prévia daqueles que se salvariam e por isso foi tão radical e prenhe de consequências a opção do cônsul de Portugal em Bordéus.

Como diz Marc Olivier Baruch, que estudou recentente a atitude dos funcionários públicos franceses no regime de Vichy, cit «no diálogo entre o principio de obediência e a ética da convicção», que deveria constituir a razão de ser do serviço público, no regime do marechal Pétain, a balança oscilou para o primeiro lado, e, por isso, tantos elementos da burocracia francesa colaboraram com os crimes nazis entregando lhes judeus. Ao reverter os termos, diríamos que, na atitude de Aristides Sousa Mendes, a balança desviou-se do princípio cego de obediência e inclinou-se claramente para o lado da ética da convicção.

Deixem-me ainda citar a filósofa Hannah Arendt, quando, a propósito da análise do caso Eichmann e da Alemanha nazi, onde quase toda a sociedade sucumbiu a Hitler, reflectiu sobre a capacidade de julgamento humanos, em tempos sombrios: Cit «Exige-se de um ser humano que seja capaz de distinguir entre o bem e o mal mesmo quando não tem mais, para o guiar, que o seu próprio julgamento, e que este esteja em contradição com o manifestado pela opinião unânime que o cerca. (...) Os raros homens ainda capazes de distinguir o bem do mal, só podiam contar consigo (...) Tinham de julgar por eles próprios cada caso novo com o qual eram confrontados; pois que não há regra onde que não há precedente. (...) Os homens do nosso tempo estão perturbados com essa questão da faculdade de julgamento do ser humano e reina nos espíritos a confusão sobre problemas morais elementares – como se, na nossa época, o instinto fosse, nesse domínio, a última coisa sobre a qual pudéssemos contar». Cit

Quando teve de decidir, Aristides de Sousa Mendes não confundiu e soube precisa e simplesmente distinguir entre o bem e o mal.

Aristides Sousa Mendes e os refugiados da II Guerra Mundial
Depois da invasão da França e da ocupação de Paris pelos alemães, em Junho de 1940, uma enorme torrente de refugiados chegou a Portugal, o único porto neutral com ligações marítimas com as outras margens do Atlântico. Mas, antes de obterem bilhetes de passagem num navio ou num avião, a principal preocupação dos refugiados era arranjar um visto de trânsito português, que podia representar a vida em vez da morte anunciada. Até chegarem a Portugal, os fugidos à guerra e ao nazismo necessitavam de um visto de saída da Alemanha ou dos países ocupados, de um visto de entrada na «zona livre» francesa, de um visto de trânsito espanhol e de outro português do qual dependia a concessão dos anteriores. Este só era, por seu turno, dado em função da prévia obtenção de um visto de entrada num país de destino e de uma passagem num navio.

Restrições à entrada em Portugal de refugiados
Como noutros países europeus, a política portuguesa de fronteiras tornou-se tanto mais restritiva quanto maior era o afluxo de pessoas que necessitavam de salvar a vida através de Portugal, que Salazar e a Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado (PVDE) queriam a todo o custo evitar que se transformasse em país de exílio definitivo. Com o início da guerra civil em Espanha, em 1936, o governo passou a recusar, a partir de 24 de Setembro, a concessão de vistos aos espanhóis «vermelhos» e aos russos e a atribuir unicamente vistos de turismo por trinta dias aos apátridas, polacos e portadores de passaporte Nansen.

A partir de 1938, o recrudescimento das medidas anti-semitas na Alemanha e a «Noite de Cristal” impeliram muitos judeus alemães a saírem do seu país, aos quais se juntariam judeus austríacos, checos e italianos, que se exilaram noutros países europeus, depois da «anexação» da Áustria, da invasão dos Sudetas e da introdução das leis anti-semitas em Itália. Após a conferência de Evian, convocada em Junho desse ano para gerir a inundação de «emigrantes» na Europa, começaram a ser introduzidas nas legislações de muitos países limitações à entrada de judeus alemães, austríacos, italianos e polacos . Inspirando-se provavelmente nessa lei, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português enviou, em 28 de Outubro de 1938, a vários consulados portugueses na Europa a circular 10, segundo a qual a partir de então os «emigrantes judeus» deveriam requerer um visto de «turismo» de trinta dias para entrar em Portugal.

Essa norma abrangia assim pela primeira vez um vasto grupo específico de candidatos à entrada no país que se tornara visível a partir do momento em que a Alemanha passou a carimbar a letra «J» nos passaportes dos judeus, precisamente os «emigrantes» impedidos de voltar ao seu país. Era a palavra «emigrante» e não a palavra «judeu», que provavelmente assustava as autoridades portuguesas, mas, embora se possa dizer que a atitude do governo português não provinha de sentimentos anti-semitas, o certo é que a política de fronteiras portuguesa foi, nesse período, objectivamente anti-semita.

Em Novembro de 1939, o Ministério enviou às suas repartições diplomáticas a circular 14, que autorizava só aos diplomatas de carreira a concessão de vistos e que, além disso, os obrigava a consultar a PVDE e o MNE antes de visarem os passaportes de apátridas e russos, de todos os que estavam impedidos de voltar ao país de origem, dos judeus expulsos dos seus países e de pessoas sem visto dos países de destino e sem garantia de embarque para sair de Portugal. Os protestos contra os poderes crescentes da PVDE não se fizeram esperar mas o MNE, à frente do qual estava o próprio Salazar, seguiu cada vez mais a atitude de endurecimento da polícia, virando-se frequentemente contra os diplomatas. Alguns dos representantes de Portugal nos países ocupados e do Eixo, em contacto com as misérias das vítimas do nazismo, intercederam em seu favor, desobedecendo, por vezes, às ordens do MNE e da PVDE. O caso mais conhecido foi o de Aristides de Sousa Mendes, cônsul em Bordéus, que, em Junho desse ano, assinou, contra as ordens de Salazar, milhares de vistos.

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